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Edição actual desde as 18h17min de 22 de Setembro de 2013



Teatronacional1964.JPG


The scottish play e a superstição


A superstição parece ser tão teatral quanto o próprio teatro. E se a superstição no teatro é tão tradicional quanto generalizada, na particularidade, no que respeita a peça escocesa do Bardo, as histórias de desastres são muitas. Sem ir muito longe, o nosso Teatro Nacional Dona Maria II incendiou-se em 1964, há quase 50 anos, tendo a peça em cena...


Há quem acredite que a peça escocesa comporta uma maldição, e que as pragas rogadas pelas três bruxas são reais. Há até quem sustente que a personagem de Hecate – que aliás na maioria das produções é cortada, em grande parte porque muitas são as dúvidas quanto à sua autoria – intensifica em muito a dita maldição. E acredite-se ou não, a lenda diz que as desgraças e os problemas ocasionados pela peça começaram logo na primeira representação durante a qual consta que um ator chegou a morrer porque uma adaga verdadeira se encontrava entre os adereços.


Mas há também quem diga que a peça inclui mais cenas de combate e requer mais equipamentos perigosos do que é habitual e que isto explica que se produzam nesta mais acidentes que nas outras, isto tendo em conta que não está provado que nela haja realmente mais acidentes. Os cépticos, aliás, associam o fenómeno da superstição a algo próximo da “praxe” aos caloiros nas universidades, considerando que os atores mais velhos, para se valorizarem, têm tendência a contar aos mais novos situações que eles dizem ter visto ou vivido pessoalmente nas quais acontece alguma desgraça.


Seja como for, a superstição diz que Shakespeare teria utilizado algum encantamento ouvido a umas bruxas e que, ao ver o espectáculo, estas ficaram furiosas e ofendidas e amaldiçoaram a peça. Outra tradição dá conta de um aderecista que não encontrava um caldeirão adequado, e roubou um a uma bruxa... A última e talvez a mais espectacular versão da maldição, sugere que o próprio Shakespeare utilizou as juras da peça para com elas conjurar a mesma peça e garantir que ninguém além de si próprio fosse capaz de a encenar sem ter que sofrer algum escarmento.


Também foi dito que Shakespeare teria escrito a peça para celebrar a união das coroas e a origem escocesa do rei, e que, ao ouvir que Jaime I não teria gostado ficou muito desgostado e que a partir de então só se referiu a ela como “a peça escocesa" durante o resto de sua vida.


De todos modos, quando o nome da peça é invocado dentro de um teatro, quer a tradição que a pessoa que o tenha dito saia do teatro e siga uma série de rituais para ficar limpo. Os rituais são muitos, variados, e muitas vezes até parodiados. Incluem desde desculpar-se utilizando citações de outras peças do bardo ("Fair thoughts and happy hours attend on you" [O Mercader de Veneza III – 4], “Angels and ministers of grace defend us” [Hamlet I – 4], “If we shadows have offended" [O Sonho de uma noite de verão V – 2]), até cuspir por cima do ombro e dar três voltas sobre si próprio até que as voltas sejam dadas ao próprio teatro, escovando os cabelos e dizendo o nome do tal lorde escocês três vezes antes de entrar novamente, o que só poderá ser feito depois de ter-se sido convidado a fazê-lo.


Só me resta esperar que, a pesar de ter tomado todas as precauções e ter tido imenso cuidado em não escrever nada que não seja possível nomear, este pequeno comentário sobre a superstição e a dita peça não venha acarretar consequências desagradáveis...

AGZ

Lisboa, 11 de Setembro de 2013.



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