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Edição actual desde as 11h15min de 12 de Junho de 2007
por Leopold von Veschuer
Ton fini nous est jamais assez!
Sobre Álvaro García de Zúñiga
“Ele diz sempre : gosto quando não compreendo nada. Assim posso imaginar o que quiser.”
“Encontrar a palavra que designa a realidade significa também submeter um pouco a realidade à palavra que se utiliza.”
“Só se pode bem (d)escrever na qualidade de estrangeiro.”
“Nas línguas dominantes o maior risco deve-se ao processo daquilo a que chamamos a Alvarização..”
“Manuel prepara-se a combater os moinhos de palavras.”
Estas frases foram tiradas de um manual de instruções acústico de 150 minutos /Manuel I, II e III) em 10 línguas diferentes que um canal de rádio alemão difundiu recentemente numa hora tardia. Foram escritas por um uruguaio, nativo de Montevideo, que aterrou na Europa depois de passar pela Argentina e pelo Chile, primeiro em Paris, depois Lisboa. Chegou violinista de música contemporânea e agarrou a língua do seu pais de acolhimento, o francês, como se fosse um brinquedo anárquico.
Alvaro García de Zúñiga é um D. Quixote das línguas, também das do cinema e das do teatro. A primeira peça que li chamava-se Théâtre Impossible. Não tinha nem personagens, nem acção. Quando estranhei alguns erros de francês, não só não se importava nada como a cada pergunta confusa da minha parte ele acrescentava imediatamente outra. “Se tanta gente no mundo fala línguas que não domina não há razão nenhuma para que isso não seja possível no teatro.” A Alvarização seguia o seu caminho.
Assim os seus dois grandes modelos foram eles também imigrantes que submeteram o francês ao seu espírito criativo: Becket um irlandês, Ghérasim Luca, um judeu romeno.
Tal como D. Quixote Zúñiga não teme nada. E o milagre torna-se realidade: em 1998 a estreia de Théâtre Impossible tem lugar na sala ACARTE da Fundação Gulbenkian em Lisboa. Le Théâtre ne fait que du cinéma, estreia em 1999 no Teatro Nacional de Lisboa. A versão alemã de “unmögliches Theater” circula em 2001/2002 e é galardoado com prémios desde o FFT de Düsseldorf, ao Sophiensael de Berlim, bem como o Donaufestival da Áustria. Sur Scène et Marne faz sensação em 2005, no Marathon des Mots em Toulouse.
Os nossos Exercícios de Frustração são atípicos na obra de Zúñiga no sentido em que a sua parte central reflecte explicitamente a experiência histórica na América Latina, no entanto o espectáculo comporta motivos e procedimentos que lhe são característico : na primeira parte o desaparecimento de toda acção, através do olhar de uma câmara de vigilância cujas imagens estranhas são vistas por olhos de crianças cuja mãe se encontra entre o público...- e eis-nos remetidos para o quarto de espelhos poético de um espectáculo em que o teatro se transforma em cinema e vice versa, onde ficção e realidade se entrelaçam e em que as identidades se tornam planantes para subitamente culminar numa homenagem ao grande desconhecido Ghérasim Luca. A sua pergunta impossível Qui suis-je? coloca en passant o enigma de todo humano que se arrisca sobre um palco. Repare que esta terceira parte da representação é, com toda a sua brevidade, uma estreia mundial. As peças curtas Théâtre de bouche de Ghérasim Luca nunca foram mostradas em França! Para o fazer era preciso um valente (é de assinalar que a tradução do drama “Qui suis-je” de Luca por Leopold von Verschuer também faz prova de valentia – nota do editor).
As últimas frases que, na rádio, Manuel balbucia deitado sobre um manual de instruções de cama de hospital, ressoam literalmente em hieróglifos :
Recentemente Zúñiga escreveu a sua primeira frase em alemão: „Mein Genug ist fertig.“ (O meu basta já (está pronto) chega)
O teu basta nunca nos chega!
Leopold von Verschuer