Recortes de Imprensa


O Amador - 061207


Conferência de Imprensa: “What are we talking about, now?”

Susana Paula


“Ele já chegou. Vai responder a todas as perguntas, mas peço-vos que não se atropelem”, dirige-se Alínea B. Issilva aos jornalistas presentes na sala. As luzes apagam-se e, quando se voltam a acender, piscam como os flashes dos repórteres fotográficos. William Nadylam vai dar uma Conferência de Imprensa.


Enquanto os flashes disparam, Nadylam – o eterno Hamlet de Peter Brook - sorri e cumprimenta os vários jornalistas que enchem a sala. Sobe ao púlpito e mostra-se disponível para todas as perguntas. Não as ouvimos, nem era necessário, porque qualquer que fosse o jornalista - ou a pergunta -, o conteúdo da resposta seria nulo. Nunca o ouvimos numa Conferência de Imprensa e, no entanto, conhecemos o seu discurso. “Uma promessa não é um compromisso”, “é o sistema, acontece cada vez mais, não podemos fazer nada”, “infelizmente é um problema que nos preocupa a todos”.


Durante uma hora, William Nadylam ouve perguntas imaginárias e dá respostas que não significam nada. “É o círculo vicioso do poder”, explicou Alvaro García de Zúñiga, o dramaturgo português, oriundo de Montevideu.


“Tudo começou quando o William Nadylam me pediu que escrevesse um monólogo para ele interpretar”, conta o dramaturgo. Conferência de Imprensa foi o resultado desse desejo, “porque há muito que queria trabalhar a temática do poder, que nunca tinha sido abordada centralmente no meu trabalho, e é um assunto que também interessa ao William”, continuou Zúñiga.


Em Conferência de Imprensa não existem personagens, nem intriga, apenas existe o discurso oco, nada mais do que frases feitas que põem a nu o vazio do pensamento. “As pessoas dizem que perceberam aquilo que o político disse, mas, na verdade, não compreenderam. E só votam porque têm de votar em alguém”. E, para Nadylam, esta é uma peça que critica essa realidade.


Nadylam saltita de tema em tema: ouvimo-lo falar da situação precária das minas, das finanças do estado, da necessidade de fazer cortes. Ouvimo-lo contar o último filme que viu, falar de um livro de valor histórico encontrado na Sicília, o desemprego, as catástrofes humanitárias; e voltar a qualquer uma das situações que já tinha apresentado antes. Ouvimos tudo, muito pouco nos fica a não ser a impressão de não perceber o conteúdo da mensagem que nos está a ser transmitida.


Zúñiga aliou-se ao artista plástico João Louro para juntos construírem um contentor cénico que incorpora o discurso frívolo do poder político no mundo mediático. A colocação do púlpito, o cenário em tons de azul e vermelho - que lembra os planos de fundo onde se enquadram os discursos norte-americanos - e o próprio jogo de luzes fazem-nos compreender que o vazio da mensagem tantas vezes é iludido pelo mediatismo da situação.


Existem ainda algumas incursões no music-hall, canções que introduzem disrupções no discurso do político, que não sabemos muito bem de onde vêm. O dramaturgo avança: “Se calhar deve-se ao facto de os políticos transformarem a política num show, onde a regra parece ser a de que é preferível perder os princípios e os ideais para ganhar e chegar ao poder”.


“Conferência de imprensa”, de Alvaro García de Zúñiga

Teatro Municipal de Almada – Sala Experimental

>12 anos


14 e 15 Dezembro - 21h30

16 de Dezembro - 16h00


Tradução: José Gabriel Flores

Encenação: Alvaro García de Zúñiga

Espaço cénico: João Louro

Desenho de luz: Emanuel Pina

Som: José Fernando Almeida

Interpretação: William Nadylam, com Alínea B. Issilva


Duração aproximada: 1h00


Espectáculo em língua inglesa, com tradução simultânea em português e francês Bilheteira: 5 – 11€. Reservas através do telefone 212739360.


  • com Martim Brandão
  • fotografias Susana Paula


Artigo publicado em: Em profundidade, Cultura, Destaques a 16 de Dezembro 2007, 99ªEdição, às 2:11


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