Batalhas - um documentário de Alvaro García de Zúñiga
Imaginar as Batalhas por Teresa Albuquerque
Os painéis de azulejos da Sala das Batalhas do Palácio Fronteira - que hoje nos parecem uma banda desenhada de época - têm implicita uma vontade de movimento que nos convida a imaginar e descobrir-lhes as histórias e a inventar com eles outras tantas…
Estão neles representadas 7 batalhas e um recontro que conduziram, após um longo período de 28 anos de guerra e de escaramuças, ao reconhecimento definitivo por parte do Reino de Espanha da Restauração da Independência de Portugal consecutiva ao golpe de dia 1 de Dezembro de 1640.
D. João de Mascarenhas, 2º Conde da Torre, futuro Marquês de Fronteira, destacou-se como um dos nobres que contribuíram decisivamente para a independência do Reino.
Logo após o fim da guerra mandou edificar o Palácio - hoje conhecido por “Fronteira” - que terá sido inaugurado com uma merenda oferecida a D. Pedro II por volta de 1671.
Nos painéis que encomendou a exímios artesãos do seu tempo vêmo-lo retratado a cavalo ou a pé combatendo e comandando as suas tropas. Vários outros notáveis do seu tempo estão também representados e nomeados nos painéis assim como nos textos que integram a descrição visual dos confrontos luso-espanhóis. Talvez para que indelevelmente permaneça na memória dos portugueses e do rei o papel que este punhado de nobres teve na restauração de um país.
Há que não esquecer que o próprio D.João IV hesitou em apadrinhar o golpe de 1 de Dezembro que acabou por ser protagonizado pelos conjurados e sustentado por uma adesão popular imediata, espontânea e generalizada à escala do país.
A merenda ao então regente D. Pedro - 4º governante a ocupar o trono desde o 1º de Dezembro de 1640 - com que se terá inaugurado o palácio estará longe de ter sido um acto inocente. Com efeito ao contrário do que sucede noutros salões europeus - o dos Felipes no Escorial, ou o de Louis XIV em Versailles - não existe na sala das Batalhas do Palácio Fronteira, qualquer referência ao rei. No caso francês o rei aparece retratado em todos os confrontos, em Espanha o rei é uma entidade tutelar omnipresente embora não representada - mas no nosso caso a figura do rei está irremediavelmente e definitivamente ausente. A sua legitimidade acaba por lhe ser conferida por uma oligarquia de nobres que irão cobrar ao rei a defesa dos seus interesses.
Muitos aspectos fascinantes podem ser lidos nos expressivos painéis da sala das Batalhas : as políticas de alianças internacionais, as tácticas de guerra, os detalhes do quotidiano que irrompem na descrição épica do acto guerreiro conferindo uma dimensão humana e por vezes humorística ao quadro bélico que nos é contado. A vontade, simultaneamente ingénua e vigorosa, mas que é patente e apela à imaginação, de reproduzir movimentos de tropas num suporte forçosamente fixo. As escalas, que por vezes nos parecem irracionais, permitem recriar pontos de vista múltiplos, conferir emoção, delinear hierarquias, apontar linhas narrativas para gáudio e recriação na mente do espectador deste teatro de guerra encenado para a posteridade.
Na segunda metade do século XVIII a Sala das Batalhas conhece uma alteração significativa: na sequência da destruição da sua Casa de Lisboa durante o terramoto de 1755, o 5º Marquês de Fronteira muda-se para a sua quinta de recreio em Benfica. Decide ampliar e redecorar a Casa e na Sala das Batalhas reproduz, nos estuques que decoram a parte superior das paredes e o tecto, a galeria de retratos perdida. O programa de decoração inclui ainda motivos alegóricos alusivos à guerra, à vitória e à paz em clara relação com os azulejos setecentistas.
Todo este património é uma fonte inesgotável para o estudo do séc. XVII e XVIII português e pareceu-nos importante registá-lo em suporte audiovisual que permitisse a sua divulgação.
Com Fernando Mascarenhas e o realizador Alvaro García de Zúñiga e a ajuda inestimável dos depoimentos que nos concederam Carmen Almada, Fernando Dores Costa, Humberto Nuno de Oliveira, José Alberto Loureiro dos Santos, Lilian Pestre de Almeida, Marieta Dá Mesquita, Nuno de Lemos Pires, Nuno Monteiro, Rafael Calado, Rui Vieira Nery e Victor Mestre, tentámos abordar a Sala das Batalhas segundo uma perspectiva estética (incluindo do restauro e preservação), socio-política e militar. Estas três abordagens são também visíveis no DVD que editámos no qual reunimos 58 clips/entrevistas realizados a partir dos depoimentos referidos.
A música não foi esquecida e com a ajuda de Rui Vieira Nery, Alvaro García de Zúñia, ele próprio músico de formação, explorou as relações entre a música e a arquitectura das diferentes épocas que marcaram a Sala, incluindo a contemporânea, que é o momento das intervenções de restauro e manutenção e também aquele, claro está, em que cada um nós pode interagir com este espaço. Os nossos agradecimentos à generosa cedência de direitos de reprodução por parte da Alia Vox, da Astrée e da Fundação Camerata de Caracas e ao compositor Pedro Palácio e as editoras representadas em Portugal: à Virgin/EMI, à Teldec/Farol da Música e à Movie Play que se mostraram também sensíveis ao carácter cultural deste projecto.
De referir também que a preparação do documentário coincidiu com o projecto de investigação sobre a Sala das Batalhas (Sapiens 99 aprovado pela FCT e pelo POCTI e comparticipado pelo Fundo Comunitário Europeu FEDER) o que nos permitiu coligir conteúdos inéditos sobre a Sala das Batalhas e os apoios do Ministério da Cultura (ICAM), da Câmara Municipal de Lisboa, da Fundação Calouste Gulbenkian, da Fundação das Casas de Fronteira e Alorna e do Animatógrafo, bem como a colaboração da Universidade Lusófona e da Ava Audiovisuais que foram determinantes para a realização do documentário e do DVD.