“radiOthello tem por tema a produção de uma peça de teatro que é “uma versão radiofónica sobre cena do “Othello” de William Shakespeare”.
O facto deste “Othello” conter outro (cuidado: um comboio pode esconder outro) assenta nalgumas premissas :
- A utilização de um duplo texto : o “original” e um segundo que corresponde a tudo o que é dito “em off” durante o “espectáculo radiofónico”. (A ’“escrita” de radiOthello será o resultado final desta produção inscrevendo-se assim na mais pura tradição do teatro isabelino.)
- A gravação áudio desta “escrita” sublinha, en passant, a tendência da nossa época para a oralidade que resulta das possibilidades de fixar e armazenar texto de forma não escrita oferecidas pelas novas tecnologias.
- Evidenciar o poder de sugestão do sonoro numa altura em que o visual e a imagem são omnipresentes.
O projecto acaba com a escrita de radiOthello por um programa de escrita equipado de um software de captação e reconhecimento da voz.
Quanto ao texto original da peça “Othello” contamos utilizá-lo como Shakespeare provavelmente faria: escolhendo o que nos parece necessário para tirar o melhor partido da peça original e com ela desenvolver as tramas centrais de radiOthello.
O actor que fará o papel do actor que fará o papel de Othello nesta produção não falará uma palavra de português. O que não é uma coincidência. Othello é um “estrangeiro”, um mouro em Veneza, o que não está muito longe de um alemão em Lisboa, ou de um uruguaio em Paris...
radiOthello não é só uma encenação de um texto clássico. Mas antes de falarmos em “acto de criação” deveríamos talvez falar em “re-criação” já que me parece que este conceito abarca melhor os diferentes aspectos que compõem esta peça.
Trata-se de uma (in)adaptação de um dos maiores clássicos de todos os tempos que comporta uma visão crítica particular desta peça e a sua transferência(transposição) para outros media dando também a ver o que não é suposto ser visto : um espectáculo de radio-teatro.
Imagine-se a alegria que isto causaria a M. MacLuhan.
Este projecto é também o do teatro do teatro. Aquele que vai de Tirso, Corneille, Calderón, e do próprio Shakespeare de “Hamlet” até àquele outro Hamlet, o coiso (machin) “Maschine” de Müller e todo esse tipo de teatro do teatro. Claro que radiOthello faz referência também a outros mundos vizinhos do teatro: como o radio-teatro : o da “Guerra dos Mundos” de Welles, mas também ao Woody Allen de “Radio Days”, aos irmãos Marx de “Uma noite ópera”, aos sketches de Jerry Lewis imitando Al Johnson em “The Jazz Singer”, ao próprio Al Johnson em “The Jazz Singer”...
Um dos aspectos essenciais de radiOthello será o de se construir ao mesmo tempo um programa de rádio destinado a ser ouvido e um espectáculo encenado “para ser visto”.
Em radiOthello quando fecharmos os olhos ouviremos um “Othello” cinematográfico – com as suas tempestades, música, efeitos sonoros dignos de uma grande superprodução – se os abrirmos poderemos seguir uma trama incrivelmente othelliana e actual no seio de um grupo de actores que trabalha esta versão radiofónica transformando-a numa espécie de “guerra dos mundos no mundo dos Dias da Rádio”.
Estas duas versões juntas e inseparáveis constituem radiOthello, o projecto que proponho realizar.”
A.G.Z.