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+ | Dos três capítulos que vamos ler na próxima sessão – baseados fundamentalmente nos colóquios e razões de Dom Quixote, Sancho e o acabadinho de chegar bacharel Sansão Carrasco –, diz Ricardo Senabre, e com razão, que têm uma grande unidade. | ||
+ | Com efeito, os capítulos 2, 3 e 4 decorrem no mesmo lugar – a casa do fidalgo Alonso Quijana, (ou seja qual for o seu nome) – e tratam exclusivamente das conversas dos três personagens. Essas conversas consistem, fundamentalmente, numa espécie de olhar para atrás, num “racconto” dos episódios e aventuras narradas na Primeira Parte que se faz por intermédio de evocações subjectivas – «juntos salimos, juntos fuimos y juntos peregrinamos», «si a ti te mantearon una vez, a mí me han molido ciento» – às que se irão somar depois as opiniões dos vizinhos, dando espaço às mais diversas perspectivas, e finalmente, através da noticia de que já circulava “em livros” a história, dá-se conta desde mais outro ponto de vista dos feitos que ocorreram na Primeira Parte. | ||
+ | Mas o mais importante desta forma de escrever é que permite a Cervantes desenvolver uma narrativa complexíssima e extraordinária que não parece ter comparação em toda a história da literatura. | ||
+ | Ao incluir a Primeira Parte do Quixote (1605) como um dos elementos do relato da Segunda o leque de possibilidades narrativas passa a ser ilimitado. Por um lado os protagonistas da história vêm-se a si mesmos transformados em personagens, o que lhes dá a oportunidade de opinar e até de “corrigir inexatidões” naquilo que foi registado pelo autor (o que, por conseguinte, também deixa no ar a dúvida sobre a veracidade do que vamos lendo), criando, em certo modo, uma nova “inter-independência” na relação personagem – autor. Cervantes nem sequer deixa de lado outros aspectos relacionados com outros detalhes e assuntos, como podem ser a oportunidade ou não de inserir a novela do Curioso Impertinente no relato, ou resolver um erro editorial voltando a falar-nos do problema do roubo do jumento de Sancho. E ao falar-se do recebimento que teve o livro da Primeira Parte, claro, toca-se em temas como o sucesso, a crítica, e até a diferença entre história real e ficção: Justamente ao tempo em que é confrontado aquilo que é “escrito” e aquilo que é “vivido”. A existência do livro da Primeira Parte modificará o modo de ver de muitos daqueles que se vão cruzar no caminho do nosso já famoso cavaleiro, pré-condicionando as suas atitudes e comportamentos. Mas a inusitada audácia de Cervantes que introduz a própria ficção na ficção não vai deixar tão cedo de nos surpreender. | ||
Revisão das 22h09min de 13 de Março de 2013
Continuamos a começar o 2º Livro !!!
Um projecto do São Luiz Teatro Municipal
comissariado por Alvaro García de Zúñiga
Sessão 31 - Terça 19 de Março 2013
Convidados : José Tavares e a equipa de A visita da Velha Senhora (em palco até 27 de Março no São Luiz Teatro Municipal
Leitura dos capítulos 2, 3 e 4 da "Segunda Parte do Ingenioso Cavaleiro Dom Quixote de la Mancha"
Dos três capítulos que vamos ler na próxima sessão – baseados fundamentalmente nos colóquios e razões de Dom Quixote, Sancho e o acabadinho de chegar bacharel Sansão Carrasco –, diz Ricardo Senabre, e com razão, que têm uma grande unidade.
Com efeito, os capítulos 2, 3 e 4 decorrem no mesmo lugar – a casa do fidalgo Alonso Quijana, (ou seja qual for o seu nome) – e tratam exclusivamente das conversas dos três personagens. Essas conversas consistem, fundamentalmente, numa espécie de olhar para atrás, num “racconto” dos episódios e aventuras narradas na Primeira Parte que se faz por intermédio de evocações subjectivas – «juntos salimos, juntos fuimos y juntos peregrinamos», «si a ti te mantearon una vez, a mí me han molido ciento» – às que se irão somar depois as opiniões dos vizinhos, dando espaço às mais diversas perspectivas, e finalmente, através da noticia de que já circulava “em livros” a história, dá-se conta desde mais outro ponto de vista dos feitos que ocorreram na Primeira Parte.
Mas o mais importante desta forma de escrever é que permite a Cervantes desenvolver uma narrativa complexíssima e extraordinária que não parece ter comparação em toda a história da literatura.
Ao incluir a Primeira Parte do Quixote (1605) como um dos elementos do relato da Segunda o leque de possibilidades narrativas passa a ser ilimitado. Por um lado os protagonistas da história vêm-se a si mesmos transformados em personagens, o que lhes dá a oportunidade de opinar e até de “corrigir inexatidões” naquilo que foi registado pelo autor (o que, por conseguinte, também deixa no ar a dúvida sobre a veracidade do que vamos lendo), criando, em certo modo, uma nova “inter-independência” na relação personagem – autor. Cervantes nem sequer deixa de lado outros aspectos relacionados com outros detalhes e assuntos, como podem ser a oportunidade ou não de inserir a novela do Curioso Impertinente no relato, ou resolver um erro editorial voltando a falar-nos do problema do roubo do jumento de Sancho. E ao falar-se do recebimento que teve o livro da Primeira Parte, claro, toca-se em temas como o sucesso, a crítica, e até a diferença entre história real e ficção: Justamente ao tempo em que é confrontado aquilo que é “escrito” e aquilo que é “vivido”. A existência do livro da Primeira Parte modificará o modo de ver de muitos daqueles que se vão cruzar no caminho do nosso já famoso cavaleiro, pré-condicionando as suas atitudes e comportamentos. Mas a inusitada audácia de Cervantes que introduz a própria ficção na ficção não vai deixar tão cedo de nos surpreender.
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