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O primo, não só grande leitor, é escritor, ou para dizer melhor compositor de livros para dar à estampa. E imprimiu, justamente, o ''Ovidio Espanhol'' e também o ''Suplemento a Virgílio Polidoro, Que Trata da Invenção das Coisas''... A fértil imaginação de Dom Quixote fara então a sua própria metamorfose, abrindo o jogo de personificações e referências - fluviais e outras - que em certo modo vêm preanunciar as aparições de Merlim e da senhora Dulcineia. As duas da tarde – e isto terá a sua importância – atado com cem braças de soga – pouco menos de 200 metros – e não sem antes encomendar-se à sua senhora Dulcineia, Dom Quixote empreende a descida. |
O primo, não só grande leitor, é escritor, ou para dizer melhor compositor de livros para dar à estampa. E imprimiu, justamente, o ''Ovidio Espanhol'' e também o ''Suplemento a Virgílio Polidoro, Que Trata da Invenção das Coisas''... A fértil imaginação de Dom Quixote fara então a sua própria metamorfose, abrindo o jogo de personificações e referências - fluviais e outras - que em certo modo vêm preanunciar as aparições de Merlim e da senhora Dulcineia. As duas da tarde – e isto terá a sua importância – atado com cem braças de soga – pouco menos de 200 metros – e não sem antes encomendar-se à sua senhora Dulcineia, Dom Quixote empreende a descida. | ||
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A alegoria da caverna foi utilizada como espaço mágico e visionário por todos os géneros literários, sem esquecer o teatro. No Quixote, Cervantes faz-nos ver como o lugar do sonho e do desengano é próprio a toda a literatura de perspectiva épica, mas remete também para o processo de conhecimento que descreve Platão na República, ligando-o ao da criação literária, já que é na mente de Dom Quixote, através do sonho, que a cova e os seus habitantes ganham realidade. O sonho, desde Homero aliás, tem duas caras: a da verdade e a da mentira. Nessa duplicidade Cervantes implica primeiro os seus personagens, mas depois também a nós, leitores, já que a partir deste episódio não voltaremos a ler do mesmo modo o que diz respeito aos assuntos da percepção. |
A alegoria da caverna foi utilizada como espaço mágico e visionário por todos os géneros literários, sem esquecer o teatro. No Quixote, Cervantes faz-nos ver como o lugar do sonho e do desengano é próprio a toda a literatura de perspectiva épica, mas remete também para o processo de conhecimento que descreve Platão na República, ligando-o ao da criação literária, já que é na mente de Dom Quixote, através do sonho, que a cova e os seus habitantes ganham realidade. O sonho, desde Homero aliás, tem duas caras: a da verdade e a da mentira. Nessa duplicidade Cervantes implica primeiro os seus personagens, mas depois também a nós, leitores, já que a partir deste episódio não voltaremos a ler do mesmo modo o que diz respeito aos assuntos da percepção. | ||
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As quatro da tarde Dom Quixote começará a dar conta com exactidão e luxo de detalhes tudo o que respeita à sua descida. Por primeira e última vez em toda a obra é personagem e narrador de uma história da qual só temos o seu testemunho. Este será recebido com credulidade por parte do primo e cepticismo por parte de Sancho. Mas talvez mais importante ainda será a opinião de Cide Hamete, que no começo do próximo capítulo dará o episódio por apócrifo... |
As quatro da tarde Dom Quixote começará a dar conta com exactidão e luxo de detalhes tudo o que respeita à sua descida. Por primeira e última vez em toda a obra é personagem e narrador de uma história da qual só temos o seu testemunho. Este será recebido com credulidade por parte do primo e cepticismo por parte de Sancho. Mas talvez mais importante ainda será a opinião de Cide Hamete, que no começo do próximo capítulo dará o episódio por apócrifo... | ||
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Montesinos é um personagem pertencente ao ciclo carolíngio, mas que não existe na legenda francesa original. Casado com Rosaflorida, estes eram os senhores do castelo de Rocafrida. De acordo com a tradição popular as ruínas de dito castelo situavam-se na Mancha, perto da cova que veio a chamar-se “de Montesinos” provavelmente por este motivo. Em algumas baladas Montesinos é o primo de Durandarte, e é nessa qualidade que ele aparece – e em mais de uma ocasião – no Quixote. | Montesinos é um personagem pertencente ao ciclo carolíngio, mas que não existe na legenda francesa original. Casado com Rosaflorida, estes eram os senhores do castelo de Rocafrida. De acordo com a tradição popular as ruínas de dito castelo situavam-se na Mancha, perto da cova que veio a chamar-se “de Montesinos” provavelmente por este motivo. Em algumas baladas Montesinos é o primo de Durandarte, e é nessa qualidade que ele aparece – e em mais de uma ocasião – no Quixote. | ||
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Durandarte, por seu lado, é um herói. O seu nome deriva de Durendal, que era a espada de Rolando, mas que em Espanha transformou-se no nome do cavaleiro enamorado da bela Belerma, a quem tinha prometido enviar o seu coração caso fosse mortalmente ferido em batalha. Quando isto acontece, na batalha de Roncesvalles, é o seu primo, Montesinos, quem corta e leva o coração a Belerma. | + | |
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Durandarte, por seu lado, é um herói. O seu nome deriva de ''Durendal'', que era a espada de Rolando, mas que em Espanha transformou-se no nome do cavaleiro enamorado da bela Belerma, a quem tinha prometido enviar o seu coração caso fosse mortalmente ferido em batalha. Quando isto acontece, na batalha de Roncesvalles, é o seu primo, Montesinos, quem corta e leva o coração a Belerma. | ||
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O ciclo carolíngio reune todas as canções de gesta e poemas épicos surgidos nos primórdios da literatura francesa ente os séculos XI e XII, que se foram espalhando por toda Europa. |
O ciclo carolíngio reune todas as canções de gesta e poemas épicos surgidos nos primórdios da literatura francesa ente os séculos XI e XII, que se foram espalhando por toda Europa. | ||
Revisão das 14h04min de 29 de Junho de 2013
Um projecto do São Luiz Teatro Municipal
comissariado por Alvaro García de Zúñiga, José Luis Ferreira & Teresa Albuquerque
Sessão 38 – Terça 2 de Julho de 2013 – Leitura dos capítulos 22 e 23 da Segunda Parte do Ingenioso Cavaleiro Dom Quixote de la Mancha."
Comentario aos capítulos 22 e 23 da Segunda Parte do Ingenioso Cavaleiro Dom Quixote de la Mancha."
O episódio da cova de Montesinos, já preanunciado, é cuidadosamente preparado por Cervantes. Um primo de Basílio, personagem sem nome, será o guia de Dom Quixote e, durante o percurso tratarão do tema do amor e da pobreza e dos seus contrários, que nada pode calhar melhor entre as bodas de Camacho e o que vai a acontecer na cova de Montesinos.
O primo, não só grande leitor, é escritor, ou para dizer melhor compositor de livros para dar à estampa. E imprimiu, justamente, o Ovidio Espanhol e também o Suplemento a Virgílio Polidoro, Que Trata da Invenção das Coisas... A fértil imaginação de Dom Quixote fara então a sua própria metamorfose, abrindo o jogo de personificações e referências - fluviais e outras - que em certo modo vêm preanunciar as aparições de Merlim e da senhora Dulcineia. As duas da tarde – e isto terá a sua importância – atado com cem braças de soga – pouco menos de 200 metros – e não sem antes encomendar-se à sua senhora Dulcineia, Dom Quixote empreende a descida.
A alegoria da caverna foi utilizada como espaço mágico e visionário por todos os géneros literários, sem esquecer o teatro. No Quixote, Cervantes faz-nos ver como o lugar do sonho e do desengano é próprio a toda a literatura de perspectiva épica, mas remete também para o processo de conhecimento que descreve Platão na República, ligando-o ao da criação literária, já que é na mente de Dom Quixote, através do sonho, que a cova e os seus habitantes ganham realidade. O sonho, desde Homero aliás, tem duas caras: a da verdade e a da mentira. Nessa duplicidade Cervantes implica primeiro os seus personagens, mas depois também a nós, leitores, já que a partir deste episódio não voltaremos a ler do mesmo modo o que diz respeito aos assuntos da percepção.
As quatro da tarde Dom Quixote começará a dar conta com exactidão e luxo de detalhes tudo o que respeita à sua descida. Por primeira e última vez em toda a obra é personagem e narrador de uma história da qual só temos o seu testemunho. Este será recebido com credulidade por parte do primo e cepticismo por parte de Sancho. Mas talvez mais importante ainda será a opinião de Cide Hamete, que no começo do próximo capítulo dará o episódio por apócrifo...
Montesinos é um personagem pertencente ao ciclo carolíngio, mas que não existe na legenda francesa original. Casado com Rosaflorida, estes eram os senhores do castelo de Rocafrida. De acordo com a tradição popular as ruínas de dito castelo situavam-se na Mancha, perto da cova que veio a chamar-se “de Montesinos” provavelmente por este motivo. Em algumas baladas Montesinos é o primo de Durandarte, e é nessa qualidade que ele aparece – e em mais de uma ocasião – no Quixote.
Durandarte, por seu lado, é um herói. O seu nome deriva de Durendal, que era a espada de Rolando, mas que em Espanha transformou-se no nome do cavaleiro enamorado da bela Belerma, a quem tinha prometido enviar o seu coração caso fosse mortalmente ferido em batalha. Quando isto acontece, na batalha de Roncesvalles, é o seu primo, Montesinos, quem corta e leva o coração a Belerma.
O ciclo carolíngio reune todas as canções de gesta e poemas épicos surgidos nos primórdios da literatura francesa ente os séculos XI e XII, que se foram espalhando por toda Europa.
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