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Edição actual desde as 11h48min de 22 de Junho de 2014
Começamos o 2º Livro !!!
Um projecto do São Luiz Teatro Municipal
comissariado por Alvaro García de Zúñiga
Sessão 30 - Terça 5 de Março 2013 - Começamos o 2º Livro !!! :
Convidado : Miguel Serras Pereira
Ao entrar na segunda parte do Quixote entramos em cheio no mundo da intertextualidade.
Esta está presente já desde o prólogo, no qual se refere a existência do Quixote apócrifo – conhecido também como o Quixote de Avellaneda –, a quem responde com grande altura aos insultos que este lhe dirigira no prólogo e ao longo de toda a sua falsa história que fora publicada poucos meses antes da aparição da verdadeira segunda parte que Cervantes publica em 1615. Na dedicatória ao Conde de Lemos, vice-rei de Nápoles e mecenas, Cervantes sai do cânone tradicional do panegírico solene para inventar uma correspondência fictícia com o Imperador da China*, que tinha decidido fundar um colégio espanhol do qual Cervantes seria o reitor, e no qual iria fazer estudar aos seus súbditos a língua castelhana, lendo o Quixote. Convite este que é posto de parte pelo autor que, “emperador por emperador y monarca por monarca, en Nápoles tengo al grande conde de Lemos, que, sin tantos titulillos de colegios ni rectorías, me sustenta, me ampara y hace más merced que la que yo acierto a desear.”
Praticamente desde o começo iremos dar com personagens que já leram a primeira parte do livro, como vamos ver na próxima sessão, mas é propriamente desde o início da segunda parte que Cervantes dá um claro destaque a Cide Hamete Benegeli como o verdadeiro narrador encarregado de contar-nos esta história. Durante toda a primeira parte, Cide Hamete não tinha sido referido mais do que em cinco ou seis ocasiões, mas de aqui em diante muito regularmente vai ser referida a sua função e autoridade. Relembremo-nos que dez anos passaram entre a aparição da primeira parte e a segunda que hoje começamos; mas na cronologia fictícia só passou pouco mas de um mês desde que tivera fim a segunda saída, quando o cura e o barbeiro trouxeram finalmente o senhor Quijada para sua casa. Agora, pouco mais de um mês depois, eles vêm fazer-lhe uma visita e assim informar-se se tem melhorado ou continua tão louco como sempre. Na conversa que completa o resto deste primeiro capítulo ficam expostas uma série de características que dominarão a segunda parte: o aumento do diálogo, um ritmo de acção mais fluído e com uma maior “respiração”, e o facto de vermos Dom Quixote interagir com os outros mais frequentemente num terreno que poderíamos descrever como mais “normal”. Mas claro que ao mesmo tempo, mais do que nunca a relação entre a “loucura” e a “sanidade” de nosso cavaleiro será absolutamente crucial no decorrer das novas aventuras que hoje começam. Com efeito, a descrição do estado mental de Dom Quixote vai sendo cada vez mais apurada, até o ponto que poderíamos quase imaginá-la feita pelo próprio Freud.
(* Sem dúvida trata-se em parte de uma resposta a Avellaneda, que faz pouco de Cervantes por ter citado no prólogo da primeira parte o preste João das Indias e o Imperador de Trapisonda («Y pues Miguel de Cervantes... está tan falto de amigos que cuando quisiera adornar sus libros con sonetos campanudos había de ahijarlos, como él dice, al preste Juan de las Indias o al emperador de Trapisonda...» (Avellaneda, I, p. 11))
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