Um projecto do São Luiz Teatro Municipal

comissariado por Alvaro García de Zúñiga, José Luis Ferreira & Teresa Albuquerque


Sessão 38 – Terça 9 de Julho de 2013 – Leitura dos capítulos 24 e 25 da Segunda Parte do Ingenioso Cavaleiro Dom Quixote de la Mancha."



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Comentário aos capítulos 24 e 25 da Segunda Parte do Ingenioso Cavaleiro Dom Quixote de la Mancha."



Como anuncia Cervantes ao intitular o capítulo 24, as impertinentes minudências nele contadas, são absolutamente necessárias ao verdadeiro entendimento desta grande história... Se à primeira vista pode parecer tratar-se de um mero enlace entre dois episódios particularmente importantes – a aventura da cova de Montesinos e o retablo de maese Pedro – logo no início somos confrontados com uma das passagens mais intrigantes de toda a história: “Diz o que traduziu esta grande história do original da que escreveu seu primeiro autor Cide Hamete Benengeli, que chegando ao capítulo da aventura da Cova de Montesinos, na margem dela estavam escritas por mão do mesmo Hamete estas mesmas razões: «Não me posso dar a entender nem me posso persuadir de que ao valoroso Dom Quixote sucedesse pontualmente tudo o que no antecedente capítulo fica escrito. A razão é que todas as aventuras até aqui sucedidas têm sido possíveis e verosímeis, mas esta desta cova, não lhe acho entrada alguma para a ter por verdadeira, por ir tão fora dos termos razoáveis. Pois pensar eu que Dom Quixote mentisse, sendo o mais verdadeiro fidalgo e o mais notável cavaleiro de seus tempos, não é possível, que não dissera ele uma mentira se o desfrecharam. Por outra parte, considero que ele a contou e disse com todas as circunstâncias ditas, e que não pôde fabricar em tão breve espaço tão grande máquina de disparates; e se esta aventura parece apócrifa, não tenho eu a culpa, e, assim, sem a afirmar por falsa ou verdadeira, a escrevo. Tu, leitor, pois que és prudente, julga o que te parecer, que eu não devo nem posso mais, posto que se tem por certo que ao tempo de seu fim e morte dizem que se retratou dela e disse que a inventara, por lhe parecer que convinha e quadrava bem com as aventuras que lera em suas histórias.» E logo prossegue dizendo:” ... Sim, mas quem ? quem é que prossegue ? o tradutor? Cide Hamete? ... mesmo deixando de parte esta pergunta, as outras que ficam, a começar pelo modo “tipográfico” no qual quem traduziu esta historia “diz” e “traduziu” o que “viu” como anotação ao margem de Cide Hamete... Em suma, esta intervenção – eventualmente de um supra-narrador, aliás – parece querer incitar o leitor a intervir no processo da própria novela remetendo para o juízo deste a decisão final sobre o comportamento das personagens, e ainda noutro nível, a avaliação do grau de autenticidade da aventura narrada. Nenhuma narração tinha alcançado a complexidade desta “rara invenção” como chama Cervantes ao Quixote.


A breve passagem pela ermida serve de pretexto para meditar sobre às diferenças entre o passado e o tempo do Quixote, e às dos ermitãos seguem as da soldadesca: o ermitão já tinha sido soldado e o mancebinho vai sê-lo. Ressoa entre eles aquilo que de autobiográfico pode haver nessas reflexões de Cervantes, que até parece harmonizar-se com a nova imagem de Dom Quixote à qual já temos começado a ser confrontados, mais próxima do iluminado que do louco, que já não se irrita com os atrevimentos de Sancho e que, pela primeira vez não toma por castelo uma estalagem.


Seguir-se-ão a história dos zurros e a de mestre Pedro, intercalada na primeira. Esta segunda, mais complexa e estruturada, alude e relaciona-se com várias outras passagens da obra. As capacidades adivinhadoras do mono vão de mão com a estranha caracterização do mestre, “todo vestido de camurça” e que “trazia coberto o olho esquerdo e quase meia face com um parche de tafetá verde” e que saberemos mais tarde, relacionam-se com outros episódios pelos quais já passámos e com muitos outros pelos quais iremos passar.

AGZ


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