Um projecto do São Luiz Teatro Municipal

comissariado por Alvaro García de Zúñiga, José Luis Ferreira & Teresa Albuquerque


Sessão 40 – Segunda 30 de setembro de 2013 – Leitura dos capítulos 26 e 27 da Segunda Parte do Ingenioso Cavaleiro Dom Quixote de la Mancha."



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Comentário


Neste começo de da terceira temporada voltaremos a encontrar Ginés de Pasamonte.

Ginés de Pasamonte aparece de modo fugaz na primeira parte. É um dos “libertados” quando teve lugar à aventura dos galeotes: “Cide Hamete Benengeli, autor arábico e manchego, conta nesta seriíssima, altissonante, minuciosa, doce e imaginada história que [... D. Quixote] viu que pelo caminho por onde eles seguiam vinham uns doze homens a pé, enfiados pelo pescoço como contas numa grande corrente de ferro, e todos algemados. [...] logo que Sancho Pança os viu, disse:

— Esta é uma corrente de galeotes, gente forçada a servir o rei, que vai para as galeras.

— Como gente forçada? — perguntou D. Quixote. — É possível que o rei force alguma pessoa? [...] Pois dessa maneira aqui vem a propósito a execução do meu oficio: pôr fim a violências e socorrer e acudir aos desgraçados. [...] Um dos guardas montados respondeu que eram galeotes, gente de Sua Majestade, que ia para as galeras, e não havia mais nada a dizer, nem ele tinha mais que saber.

— Apesar disso — replicou D. Quixote —, gostaria de saber de cada um deles em particular a causa da sua desgraça.”

E assim, entre outros casos, ficou a conhecer o de Ginés de Passamonte: “homem de muito bom parecer, de trinta anos de idade, que ao olhar metia um pouco um olho no outro. Vinha atado de modo diferente dos restantes, porque [...] só ele tinha mais delitos que todos os outros juntos, e era um tão audacioso e tão grande velhaco que, embora o levassem daquela maneira, não o consideravam muito seguro [... :] — Senhor cavaleiro, se tem alguma coisa para nos dar, dê-nos já e vá com Deus; que já irrita com tanto querer saber vidas alheias; e se quer saber a minha, saiba que sou Ginés de Pasamonte, cuja vida está escrita por estas mãos.

— Fala verdade — disse o comissário —, pois ele mesmo escreveu a sua história [...] e deixa na prisão o livro empenhado [...]

— E tenciono desempenhá-lo — disse Ginés —, ainda que tenha de pagar duzentos ducados.

— Ele é assim tão bom? — disse D. Quixote.

— É tão bom — respondeu Ginés —, que deixará ficar mal o Lazarillo de Tormes e todos os livros daquele género que se escreveram ou venham a ser escritos. [...]

— E como se intitula o livro? — perguntou D. Quixote.

— La vida de Ginés de Pasamonte — respondeu o mesmo.

— E está acabado? — perguntou D. Quixote.

— Como pode estar acabado — respondeu ele —, se ainda não acabou a minha vida? O que está escrito vai desde o meu nascimento até ao momento em que esta última vez me mandaram para as galeras.

— Portanto — já uma outra vez haveis estado nelas? — disse D. Quixote.

— Para servir a Deus e ao rei, já lá estive quatro anos [...] e não me custa muito voltar para lá, porque ali terei ocasião de acabar o meu livro, pois tenho ainda muitas coisas para dizer, e nas galeras de Espanha há mais sossego do que o que seria mester, embora não seja mester muito mais para o que tenho de escrever, pois sei-o de cor.

— Pareces-me esperto — disse D. Quixote.

— E desgraçado — respondeu Ginés —; porque as desditas perseguem sempre os inteligentes.” Relembremos também a cena de libertação: “D. Quixote arremeteu tão de repente que, sem lhe dar tempo [oo comissário] de pôr-se à defesa, atirou-o ao chão, ferido com uma lançada [...] Os restantes guardas ficaram atónitos e suspensos do acontecimento inesperado; mas, recuperando [...] arremeteram contra D. Quixote, que [...] sem dúvida ele teria passado um mau bocado, se os galeotes, ao ver a ocasião que se lhes oferecia para alcançar a liberdade, não a aproveitassem [...] Foi o alvoroço, de maneira que os guardas, quer para apanhar os galeotes, que se desprendiam, quer para atacar D. Quixote, não fizeram nada de proveitoso”.

D. Quixote disse-lhes: “senhores; em paga [do que de mim recebestes] é minha vontade, que, carregados com essa corrente que tirei dos vossos pescoços, vos ponhais já a caminho [...] do Toboso, e ali vos apresenteis diante da senhora Dulcineia [...] e lhe digais que o seu cavaleiro, o da Triste Figura, lhe envia saudações, e lhe conteis, ponto por ponto, todos os que teve esta aventura digna da maior fama até vos dar a desejada liberdade [...]

Por todos respondeu Ginés de Pasamonte e disse: [...] Pensar que ternos de carregar a nossa corrente e pormo-nos a caminho do Toboso, é pensar que agora é de noite (e ainda não são dez da manhã) e pedir-nos isso é como pedir peras ao olmo.

— Pois, maldito seja! — disse D. Quixote, já encolerizado —, dom filho da puta, dom Ginesilho de Parapilha, ou como vos chamais, que tendes de ir vós sozinho, de rabo entre as pernas, com a corrente inteira às costas.

Pasamonte, que não era nada paciente, sabendo já que D. Quixote não tinha o juízo todo, pois cometera um disparate tão grande como o de querer dar--lhes a liberdade, ao ver-se tratado daquela maneira, [e] começaram a fazer chover tantas pedras sobre D. Quixote [...] com tanta força que o atiraram ao chão; mal caiu [recebeu varias] pancadas nas costas [...] Tiraram-lhe a veste curta que trazia [e] queriam tirar-lhe as meias [e] A Sancho roubaram-lhe o gabão, deixando-o em roupa baixa.”

Se recordamos esta aventura e Ginés de Pasamonte em particular é porque este terá uma grande implicância especialmente nos capítulos que vamos ler hoje mas também no desenrolar de todo o romance e da forma em que este foi escrito. Ginés de Pasamonte será responsabilizado pelo roubo do burro de Sancho. Mas não só. Incluso uma teoria – depois muito solidamente argumentada por Martín de Riquer – o propõe para autor da segunda parte apócrifa assinada por um tal Avellandea que ia aparecer em 1614, ou seja poucos meses antes da saída da segunda parte de Cervantes. Apócrifo este, que por sua vez, jogará um papel essencial naquilo que Cervantes já tinha começado a preparar-nos como surpresas nessa segunda parte, que seria editada dez anos depois da primeira. Estas - que incluiam ideias como que desde o começo da segunda parte se saiba dentro do proprio livro da existência do volume anterior e que este seja conhecido e comentado –, sumar-se-ão outras com o aparecimento desta segunda parte apócrifa, que virá dar novas ideias ao autor para levar ainda mais longe a sua auctoritas, e o fará incorporar ao seu texto não só a existência de um Quixote falso que anda por aí a imitar o verdadeiro, mas também a existência dum livro falso!


AGZ


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